quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A flor.


Em tempo já não lhe vejo passar sob minha janela.
e o frescor que traz consigo já não chega até mim.
busquei teu sorriso entre as filas da feira na praça.
o desalento foi tudo que encontrei.

A memória do mel no seu olhar me prende.
e qualquer vaga lembrança das madeixas tuas me ilude.
custo a crer que não vai mais voltar aqui.
vivo sentado nos degraus em que um dia subiste, delicada.

O inverno chegou, e com ele a guerra.
fiz o meu melhor para chegar até você.
em minha falha, tudo que me sobrou foi a farda.
e assim caminhei, para a mentira da luta pela pátria.

Pude sentir no ar, o cheiro do medo.
em cada gota de sangue, preenchendo as trincheiras.
poucos de nós, amigos ou não, tinham motivos para lutar.
todos tinham motivos para voltar para casa.

Eis que um clarão inunda o front.
seguido da surdez temporária que dura toda a vida.
acordo no hospital, já recuperado.
a guerra acabou.

Volto para casa, sem saber bem o que fazer.
ao chegar, me deparo com você, sentada nos degraus.
entre risos e lágrimas, me faz abrir os olhos.
entendi porque havia partido sem se despedir....



....e que eu tive que me perder para poder te reencontrar, e sorrir.



quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Previsão.



Você me encontrou sozinho no meio de lugar nenhum.
e contornou meu céu com cores belas e um sorriso.
ensinou-me a ver o melhor em viver.
e me deu um beijo de paz antes de partir.

No ano seguinte, você me disse que queria me ver.
que a saudade cresceu demais no teu peito.
a praia nos abrigou no fim da tarde.
e as estrelas giraram entre as nuvens.

Três anos depois, você se entristeceu com minha ausência.
"você deveria ter lutado pra se tornar alguém aqui".
apenas sorri e te pedi perdão.
"eu volto, eu sempre volto, confia em mim".

Hoje, eu estou aqui, prevendo os dias por vir, sob chuva.
te recebendo sempre com a mesma promessa.
tudo vai ficar bem, acredite.
sou aquela estrela perdida, distante do resto do cosmos...


...mas sempre encontro o caminho que te traz junto à aurora.


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Apnéia.


Eu quero viver mais um pouco, admito.
nada de sortes, sem falsas esperanças.
desejo apenas a plenitude, e você.
você que me faz sorrir com vontade, e amor.

Tenho essa inquietude, uma tal insegurança.
toda a vontade de te fazer entender que és minha graça.
se há um ou vários deuses, não importa.
algo me trouxe até você, e vice-verso.

E isso não pode ser uma maravilhosa coincidência.
a vida não tem dessas coisas, ou será que tem?
isso é extremamente dispensável.
nos encontramos e o mundo ficou mais claro.

Esse trem que segue infinitamente.
em direção a qualquer lugar, ou lugar nenhum.
é, ele continua vazio, eu sei.
mas agora, é diferente.

Ao seu lado, o vazio não importa.
você o enxerga, assim como eu.
e calmamente me ensina sua verdadeira natureza.
eu fecho os olhos, respiro, entendo...


...e os abro para ver o que é importante, você.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

O observador e as estrelas terrenas.



Venho de longe.
das profundezas do infinito.
meu nome é impronunciável.
e minha natureza parece ser incompreensível.

Cheguei aqui nos primórdios.
e pude ver o tempo passar com calma.
o que antes parecia promissor.
hoje só me expõe tristeza e tragédia.

Meu lugar de origem é utópico.
assim o constatariam, previamente.
sem disputas, sem ganância.
sem a predominância de uma classe favorecida.

Lá somos todos iguais.
com as mesmas responsabilidades.
ninguém existe desamparado.
somos uma unidade, uma raça.

Não há preconceito com cor da pele.
nem com sexualidade.
ou mesmo religião, se querem saber.
lá, somos fraternidade e amor.

Mas não se confunda.
lutamos contra inimigos externos.
seres que tentaram envenenar nossos conceitos.
e nos extinguir de dentro para fora.

Aqui eu vejo o oposto.
humanos, todos humanos.
se ofendem, se ferem, se matam.
por cobiça, por poder, por preconceito.

Suas guerras matam.
suas políticas matam.
suas religiões matam.
seu preconceito é praticamente um genocídio diário.

Minha espécie não consegue sentir raiva.
depois de uma parte da infância, perdemos o medo.
mas há algo que eu passei a nutrir pelo humano.
um sentimento chamado pena.

Vejo o destino que se traça aqui.
aos trancos e solavancos.
consumindo tudo e todos, dia após dia.
um processo não tão lento de autodestruição...


...e vou viver até o fim dos meus dias, tentando entender o porquê.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Interestel(lar)


As noites de frio já não são mais tão frequentes.
e algumas constelações passaram a ter nomes.
sim, é isso que temos feito nas madrugadas.
nos divertimos assim e isso basta.

Ela apareceu como algo surreal.
inexplicável e quase que pentadimensional.
é como eu a sinto, como eu a percebo.
se faz muito mais do que um lar.

Em seu abraço tenho conforto e paz.
no olhar, segurança e determinação.
sua presença é o resumo da minha força.
e da minha esperança de ser melhor.

A imensidão do espaço agora é comum.
algo como a distância entre afagos.
os planetas se tornaram menores, bem menores.
e o sol já não aquece tanto quanto seu colo.

Já havia dito como odeio essa roupa?
ser um astronauta é isso, solidão e coisas bregas.
não lembro se falei que você torna tudo interessante.
então eu te convido a passeios por entre as galáxias...


....ao infinito e além?

segunda-feira, 16 de março de 2015

Dor.



Observei silenciosa e atentamente.
enquanto a fé causava genocídios, por todos os cantos.
vi o sangue escorrer e os deuses se perderem.
o homem destruindo o homem.

Contemplei mundos sendo descobertos.
enquanto a ciência nos saciava a curiosidade.
vi o desconhecido se tornar mortalmente familiar.
o outro dissecando o homem.

Enxerguei, pálido e descrente.
enquanto políticas e cobiça nos encurralavam.
vi a ganância se espalhar e matar, como uma doença.
o poder correndo o homem.

Diante de tantas mazelas, guiei os restantes.
lentamente, em direção ao refúgio.
ainda temeroso, lhes pedi que vivessem, apenas.
há esperança de que eles sejam melhores, por eles mesmos.

não consigo deixar de me indagar.
se o homem foi criado para findar-se.
um processo tortuoso de autodestruição.
e apesar do zelo e de todos os cuidados...


...sinto que essa pergunta permanecerá eternamente sem resposta.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Gargântua.


Como uma ilusão sincera, nossas vidas se chocaram.
em meio ao caos sublime que nunca nos confortou.
a existência apenas serviu para esse momento.
em que um novo universo nos foi apresentado.

Nos confins da escuridão, silêncio.
e as faíscas explosivas do seu toque.
os vastos mundos que ainda não descobri.
todos espalhados no teu olhar.

Séculos se passam em poucos instantes.
os segundos mais longos que teremos.
daqui até o findar do infinito.
as estrelas vão nos atentar....


....e a areia irá cobrir nossos pés.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Peregrinos das constelações


Nós viemos de não muito longe.
com nossa tecnologia não tão avançada.
e apenas um propósito em mente.
desejávamos conhece-los, trocar conhecimento.

Vocês foram os primeiros.

formas de vida localizadas nessa imensidão.
nosso impulso e contentamento foram comedidos.
ainda assim, precisávamos encontrar seu mundo.

Alguns muitos pousos, simultaneamente.

em alguns lugares, fomos bem recebidos.
contudo, não foram todos os que nos acolheram.
ouso dizer que alguns de nós foram desencadeados (aqui vocês chamam isso de "morrer").

Ainda assim, preferimos crer na bondade do todo.

ouvimos sobre suas "religiões" e "deuses".
aprendemos sobre a "política" e suas mazelas organizacionais.
aos poucos fomos percebendo o que acontecia.

Nossas entidades regentes foram alvo de seu preconceito.

e seus costumes e práticas venenosas e segregativas.
sempre sendo empurrados mente adentro, sem consulta alguma.
as tramoias políticas e territoriais foram nos desgastando.

Não desistimos, o que vocês intitulam "ódio" e "desamor".

isso não existe em nossos padrões, nem nunca vai existir.
sabemos apenas agir como um todo, viver como um todo.
e sempre partilhar o conhecimento e as boas coisas.

Fomos infectados por suas falhas incessantes.

pressionados, convertidos, corrompidos e mortos.
dissecados e usados para fins desconhecidos.
praticamente extintos, toda nossa raça.

Isso realmente não importa.

não vamos permitir que vocês se percam mais.
vamos retornar um dia, na esperança de boas mudanças.
e com alguma certeza iremos salva-los...


...antes que acabem por se destruir completamente.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Elevar.



Era como nossos sonhos mais antigos.

sombras em meio ao vislumbre do caos.
caminhos que se descarrilaram incessantemente.
em uma intensidade tamanha que se tornava agoniante.

No fim da jornada, o lar.

tijolos empilhados, paredes aos pedaços.
uma reles casca do que um dia nos acolheu.
olhando fundo entre os escombros, encontramos paz.

A vista da costa inebria a consciência.

estamos tão perto de tudo o que nos falta.
e tão distante de tudo que nos sobra.
já não sei mais se vou ficar...


...ainda assim, me questiono se devo mesmo partir.